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  • Equifinalidade na psicologia do desenvolvimento

    Equifinalidade na psicologia do desenvolvimento

    Equifinalidade é a ideia de que processos desenvolvimentais distintos podem levar a um mesmo desfecho. Por exemplo, muitas coisas diferentes podem dar errado no desenvolvimento neurológico de uma criança e gerar dificuldades de comunicação similares, que receberão um mesmo diagnóstico (p.ex. autismo).

    Como o diagnóstico em transtornos mentais é sindrômico (baseado em um conjunto de apresentações clínicas estatisticamente correlacionadas) e não etiológico (baseado em uma causa específica), uma determinada categoria diagnóstica de transtorno do neurodesenvolvimento, como autismo ou TDAH, por exemplo, podem ser resultantes de processos desenvolvimentais distintos.

    Um diagnóstico sindrômico têm múltiplas funções: economia conceitual (usar um nome para se referir a um conjunto de sintomas estatisticamente correlacionados), facilidade de comunicação, ou terapêutica comum baseada em sintoma (uma intervenção em saúde mental é comumente baseada na apresentação clínica, e não na causa subjacente). Mas o diagnóstico sindrômico não pode ser equiparado a uma “causa”, justamente porquê nada nesses diagnósticos garantem que eles possuem causa comum. Ainda que condições como TDAH e autismo sejam altamente herdáveis, elas podem resultar de inúmeras combinações genotípicas.

    Elementos que se correlacionam, como os sintomas de uma síndrome, frequentemente estão causalmente associados. Ou um causa o outro, ou ambos possuem uma causa comum. Apesar de relações causais não poderem ser deduzidas de associações, é comum usar um diagnóstico sindrômico como TDAH ou autismo como causa de um comportamento: “dificuldade de empatia é por conta do autismo” ou “dificuldade em matemática é por conta do TDAH”. Mas tais diagnósticos não podem ocupar lugar de causa: eles são conjuntos de sintomas, cuja causa é frequentemente desconhecida.

    Referências

    Cicchetti, D., & Rogosch, F. A. (1996). Equifinality and multifinality in developmental psychopathology. Development and psychopathology, 8(4), 597-600.

  • As diferentes concepções de memória

    As diferentes concepções de memória

    Quando se fala em reabilitação neuropsicológica da “atenção” e da “memória”, usa-se uma conotação distinta destes conceitos do que a utilizada pela psicologia cognitiva.

    Funções psicológicas, quando entendidas como algo algo aprendível e alterável pela experiência, articulam-se com concepções contextualistas e histórico-culturais de processos psicológicos. Por exemplo, melhorar a “atenção” ou “memória” pode ser ensinar estratégias através da modelação de habilidades como apontar, re-ensaiar, ou recordar um objeto similar.

    Funções psicológicas, tal como entendido pela psicologia cognitiva, são abstrações teóricas (que aparecem na forma de fatores latentes ou disposições) cujas propriedades explicam o desempenho do paciente em alguma tarefa. Encaixam-se aqui construtos como velocidade de processamento, capacidade de armazenamento, e fluência verbal. Tais construtos variam com a idade e com a integridade do sistema nervoso do paciente, mas não são tradicionalmente pensadas como afetadas por experiências no curto prazo, tal como uma intervenção pontual. São antes entendidas como capacidades relativamente estáveis do paciente.

    Ter uma “boa memória” tem portanto duas conotações: a da psicologia cognitiva (fator comum de um desempenho bom que uma pessoa tem em duas ou mais tarefas de memória); e também a da psicologia histórico-cultural: a conotação de uma pessoa que domina múltiplas estratégias mnemônicas assimiladas a partir de sua cultura (faz associações com outros conteúdos, usa do gesto ou da fala para facilitar a recordação posterior). A reabilitação cognitiva usa o termo principalmente na segunda conotação, enquanto que a avaliação neuropsicológica está usando o termo na primeira conotação.

    Esta é uma distinção importante de ser feita, pois o uso indiscriminado pode facilmente produzir contradições: afinal, a memória pode ser melhorada? A resposta é sim ou não, dependendo da definição conceitual da qual se parte. A memória como fator comum de desempenho, talvez não; a memória, se entendida como entendida como “estratégias mnenônicas”, com certeza.

  • Desfechos em psicoterapia

    Desfechos em psicoterapia

    Uma das críticas à prática baseada em evidências (PBE) é o fato dos desfechos clínicos darem uma ênfase forte em remissão sintomática como desfecho do processo, sendo que este não é o único objetivo (e muitas vezes não é o principal) de múltiplas abordagens terapêuticas.

    Remissão sintomática invariavelmente ocupa um lugar central por ser uma formalização da queixa do cliente. O cliente procura a psicoterapia para lidar com o sofrimento, e o sintoma é apenas uma das formas de se olhar para o sofrimento: uma forma que nomeia, classifica, descreve e quantifica o que está errado.

    Muitas abordagens têm por objetivo a instrumentalização do cliente com estratégias de enfrentamento, habilidades (como autogestão, comunicação, regulação, atitudes de autoavaliação saudáveis) e conhecimento (como uma narrativa pessoal acurada e visão realista de limitações e possibilidades atuais). Uma medida de desfecho clínico que considere apenas a dimensão sintomática (melhora clínica) não implica que necessariamente esses objetivos “positivos” foram alcançados.

    Mas a recíproca também é verdadeira: atingir os objetivos “positivos” em termos de desenvolvimento pessoal não significa remissão de sintoma. Portanto, cabe considerar ambos os processos como desfechos possíveis de um processo de psicoterapia: idealmente o paciente desenvolveu habilidades e teve sua melhora clínica (idealmente, essas coisas acontecem de forma articulada).